sábado, 29 de setembro de 2012

TGP / AULA X


AULA X – DA JURISDIÇÃO

 A Jurisdição, várias vezes mencionada em aula, é o poder que o Estado detém para aplicar o direito a um determinado caso, com o objetivo de solucionar conflitos de interesses e, com isso, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei. A expressão vem do latim juris e dicere, que significa “dizer direito”.

No sentido coloquial, a palavra jurisdição significa o território (estado, município, região ou país) sobre o qual este poder é exercido por determinada autoridade ou Juízo.  Em regra, como visto em aulas pretéritas, compete aos órgãos do Poder Judiciário, porém é aceita a noção de que outros órgãos também exerçam essa função, desde que exista autorização constitucional para tanto.

O tema jurisdição é objeto de estudo das mais variadas matérias do direito (constitucional, internacional privado, processual, administrativo etc.). Em direito administrativo também existe a jurisdição administrativa, que é o limite da competência administrativa de um órgão público.

A jurisdição ressalta ser a garantia de existência do Estado Democrático de Direito, a permanência e manutenção do ordenamento jurídico, e a respeitabilidade à Constituição Federal no que concerne à obediência aos seus princípios, valores e vontades.

A jurisdição atua por meio dos juízes de direito e tribunais regularmente investidos (é a atividade do juiz ao aplicar o direito, em processo regular, mediante a provocação de alguém que exerce o direito de ação).

A doutrina conceitua jurisdição da seguinte forma:

1. Uma das funções do Estado para buscar a pacificação dos conflitos com imparcialidade e justiça, utilizando-se do direito processual. (Ada Pellegrine e Araújo Cintra).

2. Um poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica (Humberto Theodoro Jr.).

3. Uma função exercida pelo Estado para compor processualmente conflitos litigiosos, dando a cada um o que é seu, segundo o direito objetivo. (José Frederico Marques).

Em síntese, jurisdição é um ato de soberania (poder-dever), que através do Poder Judiciário, declara o direito, aplicando a lei aos casos concretos. É ao mesmo tempo poder, função e atividade.

10.1 Elementos caracterizadores da Jurisdição

Segundo Marcus Orione, são os seguintes:

a) atividade substitutiva – substitui a vontade dos indivíduos;
b) atividade instrumental – é um meio para a atuação do direito material;
c) atividade declarativa ou executiva – declara o direito segundo as regras e princípios, bem como, executa os títulos legalmente constituídos;
d) atividade desinteressada e provocada – a jurisdição é inerte;
e) decorre de uma situação de litígio, salvo quando voluntária;
f) traduz a ideia de definitividade da decisão prolatada (coisa julgada da sentença).      

10.2 Princípios Fundamentais

A) P. da investidura - a jurisdição deve ser exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz.

B) P. da aderência ao território - limitação da própria soberania nacional. Os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais do Estado em que é investido, distribuídos em comarcas (Justiças Estaduais) ou seções judiciárias (Justiça Federal). Atos fora do território em que o juiz exerce sua jurisdição dependerão da cooperação do juiz do lugar (carta precatória ou rogatória). Lembre que o STF e o STJ exercem jurisdição em todo o país.

C) P. da indelegabilidade - é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições a outros órgãos, pois cada um deles age em nome do Estado.

Exceções: delegação pelo STF, art. 102, inc. I, “m”, CRFB/88 (competência para execução forçada), e as dos arts. 201 e 492 do CPC (cartas de ordem).

D) P. da inafastabilidade (ou indeclinabilidade) da jurisdição - Não pode a lei "excluir da apreciação do Poder judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito", nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir decisão (art. 126, CPC).

E) P. da inevitabilidade - a autoridade dos órgãos jurisdicionais é imposta independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto de aceitarem os resultados do processo (situação de sujeição).

F) P. do juiz natural - ninguém poderá ser privado do julgamento por juiz independente e imparcial, indicado pelas normas constitucionais e legais, proibindo a CF os denominados tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII).

G) P. da inércia - já estudado

10.3 Diferença entre jurisdição, legislação e administração

Preliminarmente, deve-se ter em mente a divisão orgânica de Montesquieu: executivo, legislativo e judiciário.
           
Função normativa/legislativa: fazer leis é cronologicamente a primeira manifestação de vitalidade do Estado, pois indica os padrões de conduta abstratos e obrigatórios. A jurisdição, por seu turno, atua no caso concreto, pacificando os conflitos. Lembre-se que o executivo e o judiciário decorrem da lei (atuação do legislativo).

Função administrativa: a administração pode atuar de ofício, contudo, age como parte (Estado Vs cidadão). Também decide, contudo, essa decisão não possui definitividade.

10.4 Elementos clássicos da jurisdição:                 

a)     Notio - faculdade de conhecer certa causa;
b)    Vocatio - fazer comparecer em juízo;
c)     Coercio - imposição de respeito
d)    Judicium - direito de julgar;
e)     Executio - executar suas própias decisões .

10.5 Poderes da jurisdição

Poder de polícia (coerção). Ex.: notificação e intimação. Não confunda esse poder com o estudado em direito administrativo (fiscalização pelo Estado-administrador).
Poder de documentação (fazer fé dos documentos elaborados);
Poder de decisão (coisa julgada material).

AULA XI – ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO

11.1 Unidade da jurisdição – como expressão da soberania estatal, a jurisdição não comporta divisões, pois admitir mais de uma em um mesmo território, implicaria afirmar a existência de mais de uma soberania. Logo, a jurisdição é tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano. Todavia, a doutrina costuma dividir a jurisdição para melhor compreensão da matéria e organização forense.

Vale lembrar que o Brasil adota o sistema de jurisdição uma, pois apenas a um órgão se defere a competência de dizer o Direito de forma definitiva. Em outras palavras, somente um órgão faz coisa julgada material (CRFB, art. 5º, XXXVI). Não se confunde com a jurisdição dual, já que esta prevê a existência de dois órgãos se manifestando de forma definitiva sobre o Direito, cada qual com suas competências próprias. Ocorre tal dualidade, por exemplo, na França, onde as decisões em matéria administrativa fazem coisa julgada material, enquanto que ao Judiciário cabe manifestar-se sobre os demais assuntos. Assim, na França, uma decisão administrativa não pode ser revista pelo Judiciário.

Apenas para não se fazer confusões futuras, vale alertar que os conceitos de dualidade de jurisdição e duplo grau de jurisdição são distintos. Este se refere à possibilidade de recorrer da decisão de primeira instância, para que seja novamente analisado o caso por outra superior, dentro do Judiciário. Portanto, se um caso está pendente de solução na esfera administrativa, e inicia-se a ação (perante o Judiciário) tratando do mesmo tema, a decisão administrativa ficará prejudicada, já que sempre valerá a judicial. Logo, o processo administrativo será arquivado sem decisão de mérito. A eleição da via administrativa ou judicial é opção do interessado. Porém, uma vez acionado o Judiciário, não caberá mais a primeira via, pois a decisão judicial sempre prevalecerá sobre a administrativa. No entanto, nada impede que, após esgotadas todas as instâncias administrativas, o interessado se socorra do Judiciário, pois, repita-se, no Brasil, a jurisdição é una. Há, contudo, algumas exceções: (1) justiça desportiva; e (2) Habeas data.

Só para registrar, a instância administrativa tem várias peculiaridades interessantes para os administrados, como a informalidade do processo, celeridade, gratuidade, possibilidade de revisão de ofício e muitas outras, que acabam por incentivar o seu uso, desafogando um pouco o Poder Judiciário [mas isso é matéria de direito administrativo].

11.2 Classificação da jurisdição:

a) quanto ao objeto: penal ou civil;
b) quanto aos organismos judiciários: especial ou comum;
c) quanto a posição hierárquica dos órgãos: inferior ou superior;
d) quanto a fonte do direito com base na qual é proferido o julgamento: jurisdição de direito ou de equidade.

Obs.: Existe ainda a classificação entre jurisdição contenciosa e voluntária [serão estudados na próxima aula].
a) Jurisdição penal ou civil – varia de natureza conforme o direito objetivo material em que se fundamenta a ação. Assim, fala-se em jurisdição penal para as pretensões punitivas e jurisdição civil para as causas e pretensões não penais (civil em sentido amplo).

A jurisdição penal é exercida pelos juízes estaduais comuns, pela Justiça Militar estadual, pela Justiça Militar federal, pela Justiça Federal e pela Justiça Eleitoral (apenas a Justiça do Trabalho é completamente desprovida de competência penal). A jurisdição civil, em sentido amplo, é exercida pela Justiça estadual, pela Justiça federal, pela Justiça Trabalhista e pela Eleitoral (excluída a Justiça Militar).

Obs.: Na verdade o ilícito penal não se difere substancialmente do ilícito civil, pois a distinção existe apenas quanto à sanção; a ilicitude penal é um mero agravamento de uma preexistente ilicitude civil, destinada a reforçar as consequências da violação de dados valores especialmente protegidos pelo Estado.

Pontos de contato entre a jurisdição civil e penal:

Ex. 1: quando alguém pratica um furto haverá duas consequências: a) obrigação de restituir o objeto furtado (natureza civil); e b) sujeição às penas do art. 155 do Código Penal.
Ex. 2: quem contrai novo casamento, sendo casado, o direito impõe duas consequências: a) a nulidade do segundo casamento - CC, art. 183, VI (sanção civil); e b) sujeição à pena de bigamia (CP, art. 235).
Ex. 3: Ação civil ex delito: na própria sentença penal, o juiz poderá atribuir um valor para a reparação do dano civil causado, tornando certa a obrigação de reparação (título judicial).
Ex. 4: prova emprestada: aquela produzida em um processo e que pode ser utilizada em outro, desde que com não surpreenda a pessoa que não fora parte no primeiro processo.

b) Jurisdição especial ou comum – os vários organismos judiciários são instituídos pela CRFB/88, constituindo cada um deles uma unidade administrativa autônoma com limites de competência.

Ex.: jurisdição especial: Justiça Eleitoral (arts. 118-121), a Justiça do Trabalho (arts. 111-117) e as Justiças Militares Federal (arts. 122-124) e Estaduais (art. 125, § 3º);
E.: jurisdição comum: Justiça Federal (arts. 106-110) e as Justiças Estaduais ordinárias (arts. 125-126).

c) Jurisdição superior ou inferior – Aplicação do P. do duplo grau de jurisdição (possibilidade de um mesmo processo, após julgamento pelo juiz inferior, voltar a ser objeto de julgamento em instância superior do Poder Judiciário). A Jurisdição inferior é exercida pelos juízes que ordinariamente conhecem do processo desde seu início (competência originária). Na Justiça Estadual são os juízes de direito das comarcas, inclusive da Capital. A superior é a exercida pelos órgãos competentes para conhecerem dos recursos interpostos contra as decisões proferidas na jurisdição inferior.

d) Jurisdição de direito ou de equidade
Jurisdição de direito – O Estado-juiz fica preso aos limites da lei, não podendo deixar de aplicá-la. Esta é a regra no sistema jurídico brasileiro. O juiz só poderá julgar por equidade quando expressamente autorizado (CPC, art. 127). Ex.: art. 7º do CDC.
Jurisdição de equidade – O juiz se libera dos critérios de legalidade estrita, podendo dar ao caso concreto a solução que ele reputar mais justa, ainda que deixe de aplicar o direito objetivo.

Ex.: Escola do Direito Alternativo, influente no Rio Grande do Sul, que prega a jurisdição de equidade como regra geral. Esta, porém, é criticada pela doutrina, pois o Estado Democrático de Direito exige o devido processo legal (o processo justo), e que só há processo justo quando o juiz trabalha com premissas previamente estabelecidas (que são as normas jurídicas que compõem o direito objetivo). Cabe ao juiz representar a vontade e a inteligência do Estado, uma vez que é deste, e não da pessoa natural que exerce o cargo, o poder de julgar.

PRÓXIMA AULA XII – LIMITES DA JURISDIÇÃO

BREVE COMENTÁRIO CONCURSO DE CRIMES: HOMICÍDIO E PORTE ILEGAL DE ARMA

Breve comentário sobre o porte ilegal de arma e o crime de homicídio:

Imagine a seguinte situação: Zezinho, portando ilegalmente uma arma de fogo, efetua disparo contra seu desafeto Huguinho. Indaga-se: quantos crimes foram praticados por Zezinho? 

Não há dúvida que o disparo de arma poderá ser absorvido pelo homicídio. Contudo, o problema existe no concurso entre o porte ou posse ilegal e o homicídio. Nesse ponto, atente-se para o seguinte:

Com o advento do Estatuto do Desarmamento, o operador do direito deverá observar se houve o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12), de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14), de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16) ou de porte ilegal de arma de fogo com marca, numeração ou sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado (art. 16, parágrafo único, IV).

Se, antes de praticar o homicídio, o sujeito possuía ou mantinha ilegalmente sob sua guarda a arma de fogo de uso permitido, nos locais mencionados no art. 12 do Estatuto, o homicídio não absorverá a posse irregular de arma de fogo de uso permitido, uma vez que esse delito é permanente e já estava consumado antes mesmo do cometimento do homicídio, além de possuir vítimas e objetos jurídicos distintos, o que impedirá o reconhecimento do princípio da consunção ou absorção.

Por outro lado, se o sujeito possuísse a arma de fogo de uso permitido ou a mantivesse sob guarda em sua casa e resolvesse sair com ela à rua para praticar o homicídio contra seu desafeto (Huguinho), para o STJ, o crime fim absorve o crime meio (Súmula n. 17), deixando de lado os requisitos do princípio da consunção e valendo-se, certamente, de política criminal para que não haja uma pena exagerada. Perceba que Zezinho passou a portar ilegalmente a arma de fogo de uso permitido, que possuía ou tinha sob sua guarda, somente para praticar o homicídio, remanescendo, caso tenha ocorrido, o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 do Estatuto), que estava consumado antes da prática do porte ilegal de arma de fogo e do homicídio (em tese, existiram 4 condutas: posse, porte, disparo e homicídio).

Agora, se for possível demonstrar que o sujeito, além de possuir ou manter sob sua guarda a arma de fogo de uso permitido irregularmente, portava, transportava etc., antes da prática do crime doloso contra a vida, poderá existir o concurso material do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14) e o delito de homicídio praticado com o emprego dessa arma.

É certo, também, que haverá o concurso do art. 16, caput, que trata do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, com o delito de homicídio, nas mesmas situações mencionadas, quando o objeto material for empregado para o cometimento do crime de homicídio. Perceba que, se a arma de fogo for de uso proibido ou restrito, mesmo que o sujeito a possua ou tenha sob guarda nos locais descritos no art. 12, sem autorização e em desacordo com o preceito legal ou regulamentar, o crime será o previsto no art. 16, caput, que comina pena mais severa.

Do mesmo modo, aquele que, após o cometimento do homicídio, ocultar a arma de fogo também deverá ser responsabilizado pelo crime posterior (art. 14 ou 16, caput, do Estatuto), pois a prática do homicídio não lhe deu autorização para ocultar ou ter em depósito a arma de fogo de forma ilegal e indefinidamente. Nessa última situação, observa-se, porém, que, se já houve o reconhecimento do crime de porte ilegal de arma de fogo em concurso com o crime contra a vida, certamente o sujeito não poderá mais ser responsabilizado pelo crime de ocultação da arma, uma vez que o tipo penal é misto alternativo. Em contrapartida, se, após a já referida ocultação, o sujeito, por exemplo, portar a arma de fogo, haverá nova conduta típica independente das anteriores, já que a situação fática será outra.

Também haverá concurso material entre o homicídio e o crime previsto no art. 16, parágrafo único, inc. IV, do Estatuto quando a arma de fogo empregada para a prática do crime doloso contra a vida tiver numeração, marca ou qualquer sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Aliás, é o que ocorre na maioria dos crimes violentos, merecendo uma maior reprovação.

Resumindo: há duas correntes sobre o tema:

1ª corrente - concurso material de crimes, pois os tipos penais tutelam bens jurídicos diferentes;
2ª corrente - se o porte ilegal tinha o único objetivo de praticar o homicídio, aplica-se o princípio da consunção, pois a arma foi apenas o meio necessário para a execução do homicídio. No entanto, se o indivíduo ordinariamente porta ilegalmente a arma (de forma independente e autônoma) e eventualmente a utiliza para o homicídio, haverá concurso material de crimes (há julgados no STJ defendendo essa 2ª corrente).

Questão: É possível o concurso entre o porte ilegal e o disparo? Depende: se for porte ilegal de arma permitida, haverá um único crime, pois possuem a mesma pena e tutelam o mesmo bem jurídico. Agora, se for porte de arma proibida, este prevalecerá sobre o disparo.

Obs.: Vale lembrar que as condutas criminosas do estatuto do desarmamento migrarão para o novo CP (essa é a previsão do anteprojeto).

Fonte: Prof. Fabio Marques - anotações de aula

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

CPP 1/AULA V


Aula V – Continuação IP

8) Indiciamento: Indiciar é atribuir a alguém a provável autoria de uma determinada infração penal. É a passagem da possibilidade para uma probabilidade. Segundo a doutrina, para que se faça o indiciamento há a necessidade da presença concomitante de dois requisitos: a) Prova da existência do crime; b) Indícios de autoria (indícios com significado de uma prova de menor valor persuasivo).

Indícios: é um conjunto de elementos concretos que levam a probabilidade de que determinado agente é o responsável pelo ato. Servem para o oferecimento da peça acusatória e para a decretação da prisão preventiva ou medida cautelar.

A atribuição do indiciamento é privativa do delegado (depende de despacho fundamentado do Delegado). O MP não pode requisitar. É ato formal do Estado-investigação que gera a anotação na folha de antecedentes.

Questão: Qual é o momento do indiciamento? Pode ser feito a partir do início das investigações até o momento anterior ao início do processo, pois iniciado este, o indivíduo não pode mais ser indiciado.
Indiciamento direto - o indiciamento direto ocorre quando o indiciado estiver presente.
Indiciamento indireto - quando o indiciado estiver ausente.

Sujeito passivo: Em regra, qualquer pessoa pode ser indiciada. No caso de indiciado menor de 21 anos, não se aplica mais a regra da necessidade de curador.

Exceções:

a)     membros do MP: art. 41, II c/c § único da Lei 8.625/93 (competência do Procurador Geral) e art. 18, da LC 95.
b)    juízes (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar 35/79 - LOMAN).
c)     Titulares de foro por prerrogativa de função não poderão ser indiciados sem prévia autorização do Ministro relator ou desembargador relator do inquérito. Essa mesma autorização é indispensável para a instauração de inquérito (STF, IP n. 2.411). Ex.: indiciamento de Senadores e Deputados.

5.1 Incomunicabilidade do Indiciado Preso: O parágrafo único, do art. 21, do CPP, prevê a possibilidade de incomunicabilidade do preso, não excedente a 3 dias, devendo ser decretada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou órgão do MP. A doutrina majoritária entende que a incomunicabilidade prevista no art. 21 do CPP não teria sido recepcionado pela CF, pois no seu art. 136 há disposição no sentido de que não é possível a incomunicabilidade do preso quando decretado estado de defesa. Desse modo, se não é possível a incomunicabilidade do preso durante o estado de defesa, o que dirá em estado de normalidade (lembre, ainda, que o acusado terá direito à assistência da família e de advogado).

Nestor Távora lembra que, o CPP foi elaborado na época de Getúlio Vargas (fascismo da Itália). Tal incomunicabilidade estava ligada à determinação do juiz.   Era a impossibilidade de um suspeito, por decisão do juiz, não ter contato com terceiros pelo prazo de 03 dias, sem prejuízo da assistência de um advogado.  Após a CF de 88, nem no Estado de Defesa permite-se alguém ficar incomunicável. Logo, a incomunicabilidade do preso não foi recepcionada pela CF de 88. 

Questão: Quem está no Regime Disciplinar Diferenciado – 360 dias sem fazer nada, com apenas duas horas de sol por dia – está incomunicável? Não, pois basta lembrar do caso Fernandinho Beiramar e Marcola.

Art. 21.  A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.
Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963)

Obs.1: Vicente Greco Filho e Damásio entendem que a incomunicabilidade do preso foi recepcionada, pois a CF no art. 136 se refere aos crimes políticos.
Obs.2: O Regime disciplinar diferenciado (art. 52 da LEP): agendamento e organização de visitas denotam não haver incomunicabilidade, pois são hipóteses de restrição legal.

Questão: O que é desindiciamento? Ocorre quando anterior indiciamento é desconstituído em virtude de ilegalidade (impetra-se HC) ou pelo convencimento do Delegado pela falta de vinculação do agente aos fatos (Távora).

5.2 Conclusão do IP

Em regra, é concluído por meio de um relatório (peça de caráter essencialmente descritivo). No relatório não deve ser feito juízo de valor pelo delegado, pois esse juízo é próprio do titular da ação penal. Todavia, há uma exceção na Lei de Drogas, alocada no art. 52: relatório sumário com justificação das razões que levaram à classificação do tráfico de drogas.

Lei de Drogas:

Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:
I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente; ou
II - requererá sua devolução para a realização de diligências necessárias.

Questão: O relatório do inquérito policial é peça indispensável? Tecnicamente, o relatório da autoridade policial não é uma peça obrigatória, não impedindo a propositura da ação penal.
                                                                      
Questão: Para onde é remetido o inquérito policial? O inquérito policial, de acordo com o art. 10 do CPP, uma vez concluído, deve ser remetido ao Poder Judiciário. Em alguns estados da Federação, ao invés de ser remetido ao PJ, ocorre o direcionamento diretamente ao MP (Centrais de inquérito policial). Isso se dá por meio de resolução ou portaria.

Obs.: Tramita projeto de lei que visa tornar obrigatória a remessa ao Ministério Público, em observância à Resolução 63 do CJF – estabelece a tramitação direta dos autos do inquérito policial entre a polícia e o MPF, salvo na hipótese em que houver pedido de medida cautelar ou quando for necessária a intervenção do poder judiciário. Em alguns Estados (BA, RJ e PR) o IP já é remetido ao MP, sem passar pelo poder judiciário, salvo quando houver pedido de medidas cautelares.

Questão: Sendo remetido ao Poder Judiciário, qual a providência a ser tomada pelo magistrado? Depende: Se o crime for de ação penal pública, o juiz deverá abrir vistas ao Ministério Público. Agora, se o crime for de ação penal privada, o procedimento será diferenciado - os autos ficarão em cartório, dependendo de iniciativa da vítima.

Remetido ao MP, poderá o promotor: a) oferecer denúncia; b) requerer diligências, desde que indispensáveis ao oferecimento da denúncia (art. 16 do CPP); c) requerer o arquivamento para o juiz (é o único momento de soberania do MP); d) alegar incompetência (declinação de competência), requerendo a remessa dos autos de inquérito a outro juízo; e) suscitar conflito de competência ou de atribuição (conflito positivo ou negativo entre autoridades judiciárias).

Se o juiz indeferir o pedido de devolução dos autos, formulado pelo MP, para novas diligências do Delegado, caberá o recurso de correição parcial. Se o promotor não quiser ingressar com a correição parcial, pode solicitar diretamente ao Delegado a diligência (por meio de ofício). Conclui-se, portanto, que as diligências deverão ser requisitadas diretamente à autoridade policial.

5.3 Arquivamento do IP

Somente a autoridade judiciária, em atendimento ao pedido do MP, poderá arquivar o inquérito policial. O juiz não pode arquivar de ofício o inquérito. Nem o MP pode arquivar o inquérito sem solicitar ao juiz (Nestor Távora defende ser possível o arquivamento de ofício pelo MP). Os fundamentos para o arquivamento do inquérito são:

4Atipicidade formal ou material da conduta: Ex.: cola eletrônica, para o STF não configurava crime (agora tem lei); princípio da insignificância. Faz coisa julgada formal e material;
4Excludentes da culpabilidade, salvo no caso de inimputabilidade (hipóteses em que se imporá medida de segurança ao final do processo – absolvição imprópria);
4Causas extintivas da punibilidade;
4Ausência de elementos de informação quanto à autoria ou materialidade da infração;
4Excludentes da ilicitude: autorizam o arquivamento do inquérito policial. Faz apenas coisa julgada formal, conforme Informativo do STF, de março de 2009. Antes, o STF entendia que fazia coisa julgada formal e material.

FUNDAMENTOS DO ARQUIVAMENTO
COISA JULGADA
Falta de ‘prova’
Formal
Atipicidade formal ou material
Formal e material
Excludente de ilicitude ou culpabilidade
Formal mudança STF (ainda não está firme)
Extintiva da punibilidade
Formal e material. Exceção: certidão de óbito falsa.
Ausência de justa causa
Formal

Obs.: a coisa julgada formal se refere apenas àquele processo. A coisa julgada material pressupõe a formal e impede a propositura de um novo processo.

Questão: Qual é a natureza jurídica do arquivamento do IP? O CPP trata como um simples despacho (art. 67, CPP). Contudo, não há dúvida que se trate de uma decisão judicial (somente pode ser arquivado pelo juiz).

Questão: Há que se falar em pedido de arquivamento de IP que apura crime de ação penal privada? Em regra, não há arquivamento do IP na ação penal privada. Mas se o advogado pediu o arquivamento do IP, esse pedido equivale à renúncia.

TRANCAMENTO DO IP - Trata-se de medida de natureza excepcional (forma de extinção anômala), somente sendo possível nas seguintes hipóteses: 1) manifesta atipicidade formal ou material da conduta (ex.: delitos de bagatela); 2) presença de causa extintiva de punibilidade; 3) não houver justa causa para a tramitação do IP. Nessas hipóteses é possível a impetração de HC, pleiteando o trancamento da ação penal.

Cuidado! Se durante barreira policial uma pessoa negar-se a soprar o bafômetro caberá apenas condução à delegacia e preenchimento de BO. Não cabe ao Delegado instaurar inquérito de embriaguez ao volante, pois falta a tipicidade da conduta, ou seja, a prova de que o indivíduo possuía álcool no sangue.

Na dúvida entre o oferecimento ou não da denúncia, decorrente da excludente da ilicitude, prevalece o in dubio pro societate (deve ser oferecida a denúncia).

Questão: Qual a única causa de excludente de culpabilidade em que deve o promotor oferecer a denúncia? No caso de inimputável do art. 26, caput, do CP (por insanidade mental), deve-se oferecer a denúncia, e ao final requerer a medida de segurança (absolvição imprópria).

5.4 Coisa Julgada Vs IP

Pode se formar em 2 hipóteses:

ð          não havendo a interposição de recurso;
ð          com a interposição de recurso (não conhecido ou negado seu provimento).

A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão no processo em que foi proferida. A coisa julgada material torna a decisão imutável fora do processo a qual foi proferida. A depender do fundamento do arquivamento do inquérito haverá coisa julgada formal ou material.

Obs.: Arquivamentos com base em atipicidade, excludentes da ilicitude, excludentes de culpabilidade ou excludente de punibilidade, fazem coisa julgada formal e material (STF - HC 84.156 e HC 80.560). O STF defende que quando o fato for atípico não se pode desarquivar – a questão se torna “imexível”. Agora, o arquivamento por ausência de elementos de informação (falta de prova) só faz coisa julgada formal.

Súmula 524 do STF - Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.

Para que o Delegado possa desarquivar o inquérito policial é necessário a notícia de provas novas (substancialmente nova); e não de provas novas propriamente ditas (formalmente novas). Prova nova é aquela substancialmente inovadora, ou seja, aquela capaz de produzir uma alteração dentro do contexto probatório do qual foi proferido o arquivamento. A testemunha que já foi ouvida pode ser prova nova, desde que mude a sua versão.

ð          Prova formalmente nova - já era conhecida e até utilizada pelo Estado, mas ganhou uma nova versão.
ð          Prova substancialmente nova - é a inédita, oculta ou inexistente quando da decisão de arquivamento foi proferida.

Obs.: Não confunda o desarquivamento com o início da ação penal, pois a ação só pode se iniciar com a presença substancial de provas novas.

Questão: Quem faz o desarquivamento do inquérito policial? Segundo o art. 18 do CPP, é a autoridade policial, desde que possua notícia de provas novas.

 Art. 18.  Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, à autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.

O arquivamento por falta de provas é, portanto, uma decisão tomada com base na cláusula rebus sic stantibus, ou seja, modificando o panorama probatório é possível o desarquivamento.

Diferença entre nova prova e prova nova: nenhuma.

Questão: O que é arquivamento implícito? Ocorre quando o MP deixa de incluir na denúncia algum corréu (implícito subjetivo) ou outro fato delituoso (implícito objetivo), não pedindo o arquivamento (Afrânio Silva Jardim).  Não se admite o arquivamento implícito, devendo o juiz devolver os autos ao MP para que se manifeste de maneira fundamentada, sob pena de aplicação do art. 28 do CPP. Mirabete defende a possibilidade.

Questão: O que é arquivamento indireto? Ocorre quando o MP entende que o juízo da causa não é o competente e, ao invés de oferecer denúncia, requer a remessa dos autos, mas o juiz não concorda. Essa manifestação do parquet deve ser recebida como pedido de arquivamento, aplicando-se o art. 28 do CPP. Nucci não concorda com esse entendimento.

Obs.: Há também a hipótese de arquivamento provisório para os casos de representação do ofendido (Nestor Távora).

Questão: Para que seja realizado o desarquivamento são necessárias provas novas ou a simples notícia de provas novas? Existe um conflito entre o art. 18 do CPP e a Súmula 524, STF. Há duas correntes sobre esse assunto: A posição dominante aduz que para desarquivar o IP, basta a simples notícia de provas novas, porque o IP é o minus (grão de areia) se comparado à ação penal (tanque de areia). Então, a autoridade policial tendo notícia de provas novas poderá proceder a novas diligências. Já a corrente minoritária diz que para desarquivar o IP será necessário o surgimento de novas provas. Não basta a simples notícia.

5.5 Recursos cabíveis no arquivamento

Em regra, a decisão de arquivamento é irrecorrível. Não cabe nem mesmo ação penal privada subsidiária da pública.

Exceções:

a) crimes contra a economia popular ou contra a saúde pública (previsão de recurso de ofício pelo juiz);
b) jogo do bicho e corrida de cavalos fora do hipódromo (recurso em sentido estrito).


AULA VI – AÇÃO PENAL

É o direito de pedir a tutela jurisdicional relacionada ao caso concreto.  Para Ada Pellegrini é o direito público subjetivo, com previsão constitucional, de exigir do Estado-juiz a aplicação da lei ao caso concreto, na expectativa da solução da demanda.  Além disso, Pellegrini diz que o detentor do direito de ação tem o direito de exigir do Estado a devida prestação jurisdicional. Por outro lado, Ovídio Batista entende que o direito de ação representa simplesmente a possibilidade de solução do litígio.

Sujeitos processuais: (1) principais / essenciais: autor ou demandante; réu ou demandado; juiz; (2) acessórios: assistente de acusação; auxiliares da justiça; terceiros (ministro da justiça, o ofendido, testemunha etc.).

O juiz está acima das partes. Administra os atos processuais e possui os seguintes poderes: meios (ordinatórios e instrutórios); fins (decisão e execução); e anômalos (não são nem administrativo, nem judicial – ex.: receber representação do ofendido).

Questão: no sistema brasileiro, para julgar alguém é necessário ingressar na magistratura. ( F) lembre-se dos jurados e do quinto constitucional.

6.1 Características do direito de ação:

a) direito público: a atividade jurisdicional que se pretende provocar é de natureza pública. Por isso, a expressão “ação penal privada” estaria incorreta, pois se trata de ação penal de iniciativa privada.
b) direito subjetivo: esse direito tem um titular que pode exigir do Estado a prestação jurisdicional.
c) direito autônomo: não se confunde com o direito material que se pretende tutelar.
d) direito abstrato: independe da procedência ou improcedência do pedido.
e) direito específico: vinculado a um caso concreto.

6.2 Condições da ação penal: são condições ao exercício da provocação do Poder Judiciário, cuja ausência impede o direito ao julgamento do mérito. Por julgamento do mérito se entende a apreciação da existência de um fato delituoso e de sua autoria, desde que constitua uma ação típica, ilícita e culpável. O exercício do direito de ação está vinculado a algumas condições genéricas e específicas. Genéricas são as condições presentes em toda e qualquer espécie de ação, sendo indispensáveis. Já as específicas são aquelas condições que nem sempre estão presentes em todas as ações (hoje: representação da vítima no caso de estupro, pois se trata de ação penal pública condicionada a representação). Ressalta-se que, a falta das condições da ação é causa de rejeição da denúncia.

6.3 Diferença entre condição da ação (condição de procedibilidade, genéricas e específicas) e condição objetiva de punibilidade:

Condição de procedibilidade
Condição objetiva de punibilidade
Refere-se ao direito processual penal.
Refere-se ao direito material; a pretensão punitiva do Estado não pode ser exercida, sem a sua presença.
Conceito: é condição que visa regular o direito de ação.
Conceito: Condição exigida pela lei para que o fato se torne punível e que está fora do injusto penal. Chama-se objetiva porque independe do dolo ou da culpa do agente. Encontra-se entre o preceito primário e secundário da norma penal incriminadora, condicionando a existência da pretensão punitiva do Estado.
Consequência da ausência: se verificada no momento do oferecimento da peça acusatória, a peça acusatória será rejeitada. Se verificada no curso do processo: o CPC pode ser aplicado subsidiariamente (art. 267, VI), extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito. Essa decisão só faz coisa julgada formal (Pacelli).
Consequência da ausência: se o juiz percebe a falta logo no início, deve rejeitar a peça acusatória na medida em que não haveria fundamento de direito para o ajuizamento de ação penal. Se verificada a falta no final do processo, o acusado deve ser absolvido, dotada a sentença dos atributos da coisa julgada formal e material.
Exemplos:
representação; extraterritorialidade condicionada: entrada do agente no território nacional.
Exemplos:
a) sentença declaratória da falência nos crimes falimentares; b) decisão final do procedimento administrativo nos crimes materiais contra a ordem tributária.

Condição de prosseguibilidade: a condição de procedibilidade é uma condição imposta pela lei para que processo tenha início. A condição de prosseguibilidade existe para que o processo tenha continuidade.

ð          condição de perseguibilidade – na fase do IP;
ð          condição de procedibilidade – na fase da ação penal;
ð          condição de prosseguibilidade – é aplicada nas ações que admitem a sucessão (CADI). É uma condição necessária para o processo continuar sua marcha (o processo já estava em andamento).

Obs.: A lesão corporal leve passou a ser crime de ação penal pública condicionada à representação a partir do advento do art. 88 da Lei 9.099/95. Quando a lei dos Juizados entrou em vigor, a representação passou a funcionar como uma condição de prosseguibilidade para os processos penais que já estavam em andamento, e como uma condição de procedibilidade, para os processos que ainda não tinham iniciados. São duas situações diversas.

Na fase investigatória não há que se falar em persecução penal, e sim em perseguição penal. Se a representação for oferecida para o início da ação penal, será condição de procedibilidade. Se a representação for oferecida no IP, será condição de perseguibilidade.

6.4 As condições da ação podem ser genéricas e específicas:

6.4.1 Genéricas - devem estar presentes em toda ação penal.

a) possibilidade jurídica do pedido: o pedido formulado deve encontrar amparo no ordenamento jurídico;

Atenção! POSIÇÃO CONSERVADORA (prova objetiva) – é adotada pela Ada Pellegrine (no livro Teoria Geral do Processo). O pedido deve se referir a uma providência admitida no direito objetivo. Essa apreciação deve ser feita sobre a causa de pedir, abstratamente considerada, desvinculada de qualquer análise probatória.  O pedido não é o foco, mas os fatos.

Obs.: no Processo Penal o acusado defende-se dos fatos que lhe são imputados e pode o juiz corrigir eventual classificação equivocada feita pelo MP.  Também frise que caso seja oferecida denúncia por uma conduta atípica deverá ocorrer verdadeiro julgamento antecipado do mérito, com a formação de coisa julgada formal e material (art. 397, CPP). Ao contrário do processo civil, que não se faz coisa julgada.

b) legitimidade para agir (legitimatio ad causam): é a pertinência subjetiva da ação. Legitimidade no pólo ativo: MP na ação penal pública; querelante na ação penal privada. Legitimidade no pólo passivo: provável autor do delito maior de 18 anos.

Obs.: Caso não seja preenchido um dos requisitos das condições da ação, será aplicado o art. 267, VI, do CPC, subsidiariamente, podendo o juiz extinguir o processo sem resolução do mérito.

Ex.: dois candidatos trocam ofensas durante a propaganda eleitoral. Um deles oferece queixa-crime de difamação (CP, art. 139). Perceba que em razão da eleição o crime será de difamação eleitoral (art. 325, CE). Logo, a conduta deixará de ser de ação penal privada, passando a ser de ação penal pública incondicionada. Deverá ser reconhecida a ilegitimidade ad causam do querelante, com a consequente rejeição da peça acusatória (não será queixa, mas denúncia pelo MP).
Legitimação ordinária e extraordinária ou substituição processual (art. 6º do CPC).

i) Legitimação ordinária: alguém postula em nome próprio a defesa de interesse próprio.
ii) Legitimação extraordinária: alguém postula em nome próprio a defesa de interesse alheio. Isso seria possível somente nos casos previstos em lei. No processo penal, a legitimação extraordinária ocorre nas seguintes situações:

ð  ação penal privada. O ofendido ingressa em juízo agindo em nome próprio, mas na defesa do direito de punir do Estado. Aury Lopes Junior: já existe uma movimentação no sentido de acabar com a ação penal privada e passar esses crimes para a ação penal pública condicionada, para acabar com a vingança privada.
ð ação civil ex delicto proposta pelo MP em favor de vítima pobre (art. 68 do CPP). O art. 68 é dotado de uma inconstitucionalidade progressiva (um dia será inconstitucional). Nas comarcas em que não houver Defensoria Pública, o MP pode pleitear em juízo a reparação do dano em favor de vítima pobre (STF, RE 135.328).

Obs.: após a Lei 11.719/08, o juiz, na sentença condenatória, passou a ter competência para fixar um valor mínimo para a reparação dos danos causados na infração penal.

Atenção! Substituição processual não se confunde com sucessão processual. A sucessão se dá no Processo Penal “no caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão” (art. 31 do CPP).

iii) Legitimação ativa concorrente: mais de uma parte está autorizada a ingressar com a ação, independentemente da valoração do outro. Quem ingressar primeiro, afasta a legitimidade dos demais. Hipóteses:

ð 1. ação penal privada subsidiária da pública, depois do decurso do prazo para o MP oferecer denúncia;
ð 2. crime contra a honra de servidor público, para a maioria da doutrina - Súmula 714 do STF. Crítica à súmula: no IP 1.939 decidiu o STF que, se o servidor público ofendido em sua honra apresentar representação ao MP, optando pela ação pública condicionada à representação, estaria preclusa a instauração de ação penal privada. Portanto, é possível dizer que nesse caso, a legitimação seria alternativa e não concorrente: a) porque, dependendo de representação, o MP jamais estaria legitimado a agir de ofício; b) logo, cabe ao ofendido escolher entre a representação e o oferecimento de queixa (Eugênio Pacelli de Oliveira);
ð  3. nos casos de sucessão processual, a concorrência do art. 36 do CPP (morte do ofendido na ação penal privada): “se comparecer mais de uma pessoa com o direito de queixa, terá preferência o cônjuge (discute-se a extensão ao companheiro) e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o querelante desista da instância ou a abandone”. Há quem não concorde com a inclusão do companheiro em decorrência da analogia prejudicial ao acusado.

c) interesse de agir: a doutrina classifica o interesse de agir como um trinômio composto pela necessidade, adequação e utilidade.

1) necessidade: presumida no Processo Penal, pois não há pena sem processo, salvo nas hipóteses de transação penal dos Juizados.
2) utilidade: consiste na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor.

Obs.: prescrição virtual/antecipada/em perspectiva: recebe esse nome porque, de maneira antecipada, já é possível visualizar a ocorrência de futura prescrição. Não é admitida pelos tribunais superiores em virtude de suposta violação ao princípio da presunção da inocência (eis que o órgão acusador parte do pressuposto de que o denunciado fatalmente seria condenado se o lapso prescricional não aniquilasse o processo judicial – ver súmula 438, STJ). Outro exemplo é o perdão judicial no homicídio culposo, previsto no art. 121, § 5º, do CP. No caso do pai que esqueceu o recém nascido dentro de seu automóvel, vindo este a falecer. Será que o promotor deve oferecer a denúncia? Será que deve arrolar sua esposa para testemunhar contra ele? De que adianta levar a diante uma ação penal em que ao final o réu será absolvido?

Nessa hipótese, o promotor de justiça, ao invés de oferecer denúncia, deverá solicitar o arquivamento do inquérito ou a extinção do processo sem julgamento do mérito: o fundamento deve ser a ausência de utilidade do processo e, portanto, do interesse de agir, mas não a extinção da punibilidade, já que não há previsão legal expressa nesse sentido.

A Lei 12.234/10 alterou regras prescricionais. No art. 109, mudou-se o prazo de 2 para 3 anos, para pena inferior a 1 ano. Cuidado que essa regra deve ser aplicada para crimes após a publicação (6/5/2010). A outra mudança foi a extinção da prescrição retroativa entre a data do fato delituoso e a data do recebimento da peça acusatória (art. 110, CP). As demais prescrições retroativas ainda existem.

3) adequação: não é discutida no Processo Penal condenatório, pois o acusado se defende dos fatos e não da classificação a eles atribuídas, ademais não há diferentes espécies de ações condenatórias. O HC serve para a tutela da liberdade de locomoção (ação penal não condenatória).

d) Justa causa: (Afrânio Silva Jardim) lastro probatório mínimo para o oferecimento da peça acusatória, demonstrando a viabilidade da pretensão punitiva (prova da materialidade e indícios de autoria). Nos crimes que deixam vestígios, a materialidade é comprovada pelo exame de corpo de delito. Exceções: boletim médico nos Juizados Especiais; boletim médico na Lei Maria da Penha; laudo preliminar de constatação de substância entorpecente (até mesmo para a prisão em flagrante se concretizar) na Lei 11.343/06.

Obs. 1: O STF entende que a palavra isolada da vítima não é suficiente para deflagrar o início de uma ação penal. Não se pode admitir que o MP ofereça a denúncia sem um lastro mínimo de provas, para se evitar lides temerárias.
Obs. 2: Para o tráfico de drogas e crimes contra a propriedade imaterial, o exame de corpo de delito é condição de procedibilidade da ação penal.
Obs. 3: O STF entende ser indispensável a constatação pericial da impropriedade do produto para o consumo, no crime de mercadoria com prazo de validade vencido (não basta estar vencido).
Obs. 4: Para porte / posse de arma de fogo é dispensável a realização de perícia (STF), salvo no caso de roubo com emprego de arma de fogo, podendo ser dispensado o exame se a vítima conseguir atestar que se tratava de uma arma.

6.4.2 específicas - só estão presentes em algumas hipóteses especiais:

I - representação do ofendido (Ex.: crimes sexuais);
II – requisição do Ministro da Justiça;
III – laudo pericial nos crimes contra a propriedade imaterial (e de constatação nos crimes de drogas);
IV – condição de militar no crime de deserção.

6.5 Condições da ação penal (segundo a classificação moderna) em contraponto às condições da ação civil: alguns doutrinadores buscam as condições da ação penal dentro do Processo Penal, rejeitando a adoção das condições importadas do Processo Civil.  São elas:

1) Prática de fato aparentemente criminoso (tipicidade, ilicitude e culpabilidade); não sendo aparentemente criminoso, o juiz deve rejeitar a peça acusatória.

Há duas possibilidades: se, no momento do oferecimento da denúncia, estiver demonstrado que o fato não é criminoso, deve rejeitar a peça acusatória em virtude da ausência dessa condição da ação penal; Agora, se o convencimento do juiz ocorrer após a resposta à acusação, já tendo sido recebida a denúncia, sua decisão será de absolvição sumária (art. 397 do CPP).

2) Punibilidade concreta (não deve estar extinta a punibilidade);
3) Legitimidade para agir;
4) Justa causa.

Questão: E se faltar alguma condição da ação no processo penal? O juiz deve analisar as condições da ação de forma superficial e deixar o mérito para frente. No processo civil, se não forem preenchidas as condições da ação ocorrerá a extinção do feito sem a resolução do mérito. No processo penal, existe uma forte tendência, capitaneada por Barbosa Moreira, no sentido da aplicabilidade da teoria da asserção. Essa teoria representa uma flexibilização em relação à análise das condições da ação. Luiz Guilherme Marinoni diz que na análise das condições da ação, o que importa é a afirmação do autor e não a correspondência entre aquilo que foi afirmado pelo autor e a realidade. Se for parar para analisar o que foi afirmado pelo autor, se estiver de acordo com a realidade, terá que extinguir o processo sem julgamento do mérito. Só que estaria, nesse caso, analisando o mérito ao invés das condições da ação.

Questão: O que é procuração apud acta? É aquela utilizada para nomear o defensor em audiência. É a procuração dada nos próprios autos da causa pelo respectivo escrivão, perante o juiz oficiante, ou lavrada em cartório, perante duas testemunhas. Tem caráter judicial, não sendo válida extrajudicialmente. Equipara-se à procuração por instrumento público. Ex.: procuração em que o réu em processo criminal indica seu defensor mediante simples manifestação verbal feita ao juiz do processo

Questão: A defesa deficiente gera nulidade do processo? Depende, se for demonstrado nos autos esse prejuízo, sim. Trata-se de presunção relativa.

Questão: E no caso de recusa de assistente, cabe algum recurso? Não. Contudo, é possível a impetração de mandado de segurança. Lembre-se que o assistente não poderá arrolar testemunha, mas pode requerer perícias.

6.6 Classificação das ações penais

Pública: quando atingir diretamente o interesse geral será incondicionada; quando atingir indiretamente o interesse geral será condicionada.
Privada: quando atingir profundamente / diretamente o interesse do particular.

1) Ação Penal Pública: O titular é o MP (art. 129, I, CPP). Quando incondicionada, o MP não está sujeito ao implemento de qualquer condição (art. 100). Na condicionada, o MP está sujeito ao implemento de uma condição (representação do ofendido / requisição do ministro da justiça). Já na subsidiária da pública, é aquela em que o particular toma iniciativa após a inércia do MP. Lembre que o MP pode retomar a titularidade da ação em qualquer momento. Atenção para o art. 183 do CPP: o crime de furto contra familiar dependerá de representação (deixa de ser incondicionada).

Obs. 1: Ação penal pública subsidiária da pública: Para LFG, nos crimes contra prefeitos municipais (art. 2º, § 2º, Decreto-lei 201/67), se o MP Estadual não agir, requisitará ao MPU (Procurador Geral da República). Esse dispositivo desloca a competência para a Justiça Federal matéria que não é de interesse da União e fere a autonomia do MP Estadual, sendo, portanto, inconstitucional de acordo com a doutrina majoritária. Outro exemplo, segundo Tales Tássito, está nos crimes eleitorais (art. 357, CE): o MP Estadual age por delegação. Logo, se o MP Estadual permanecer inerte, pode o MPF oferecer denúncia subsidiária. Outro exemplo é o incidente de deslocamento de competência - IDC (possui previsão constitucional, EC 45/04, art. 109, V, “a” e p. 5º: inércia do Estado e violação de direitos humanos). Ex.: processo corria na justiça estadual e, por inércia do Estado, o STJ declina competência para a justiça federal.
Obs. 2: O Prefeito será julgado pelo TJ. Não será realizado propriamente um IP, e sim uma investigação criminal (gênero) que tramita perante o foro de prerrogativa de função. Os componentes do tribunal não irão realizar diligência investigatória; o Tribunal acaba delegando-a ao delegado de polícia.  Ex.: Min. STF delega ao delegado da PF.

2) Ação Penal de Iniciativa Privada: o titular é o ofendido / representante legal. Lembre que o MP é o fiscal da lei e pode aditar a queixa. O prazo para queixa é de 6 meses e não se interrompe / suspende em razão do IP.

i) exclusivamente privada (art. 30, CPP). É possível a sucessão processual. Ex.: ações de dano.
ii) personalíssima (não há sucessão processual – art. 236, CP: Ocultação de impedimento). Atenção! A morte da vítima extingue a punibilidade do agressor.
iii) subsidiária da pública (inércia do MP).